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Caique Zen

Crepúsculo dos Deuses e O Maior Espetáculo da Terra


Apenas dois anos separam Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder, e O Maior Espetáculo da Terra (1952), de Cecil B. DeMille. Embora bastante diferentes, de ambos os filmes pode-se dizer que tratam do mesmo tema: Hollywood, “a máquina dos sonhos”.

No início de O Maior Espetáculo da Terra, um narrador (Cecil B. DeMille) nos apresenta o circo dirigido por Brad Braden (Charlton Heston) enquanto imagens documentais do Ringling Bros. and Barnum & Bailey Circus aparecem na tela. Em tom sensacionalista, B. DeMille disserta sobre o contraste entre a grandeza do espetáculo “vendedor de ilusões” e o submundo dos bastidores, onde predominam, como numa máquina, a disciplina e a velocidade. O circo, claro, é uma alegoria de Hollywood, e em toda a fala do narrador sentimos a promessa do acesso àquilo que está oculto por detrás das câmeras.

Cumprindo então tal promessa, Cecil B. DeMille nos mostra as entranhas do monstro: produtores sedentos por dinheiro, conflitos de interesses nos camarins e escritórios, pequenas vaidades e grandes interesses... Para que o show aconteça, suor, lágrimas – e um tanto de sujeira – se mostram necessários. Nada, porém, que chegue a tirar o brilho do espetáculo, nada que torne insuportável a visão dos subterrâneos do circo hollywoodiano. Para Cecil B. DeMille, o crime compensa; e, apesar dos pesares, é preciso seguir com o show.

Crepúsculo dos Deuses, filmado com menos da metade do orçamento do filme de DeMille, é menos otimista. No lugar de um herói como Brad Braden, romântico diretor do circo Ringling Bros, nos apresenta Joe Gillis (William Holden), um ganancioso roteirista disposto a humilhar-se em troca de dinheiro. Sua “musa inspiradora” é Norma Desmond (Gloria Swanson), uma decadente – porém ainda rica – atriz de cinema em nada parecida com Betty Hutton, jovem e bela trapezista de O Maior Espetáculo da Terra.

As diferenças entre os dois filmes, porém, podem ser melhor contempladas a partir de dois aspectos específicos. O primeiro deles diz respeito ao espaço: se em O Maior Espetáculo, o circo – visto como espaço de trabalho coletivo, de solidariedade – serve de cenário a toda a ação, em Crepúsculo dos Deuses, a mansão isolada de Norma Desmond, espécie de casa assombrada, simboliza o solipsismo de Joe Gillis e sua musa-patroa. Numa das cenas do filme, o casal assiste a um filme de Norma na sala da mansão. A situação que, diga-se de passagem, prefigura a tevê, serve de contraste à experiência coletiva do cinema (experiência, esta, que tem suas raízes em espetáculos como o circo) e sintetiza a solidão dos dois personagens.

O segundo aspecto diz respeito ao uso da tecnologia disponível no momento: O Maior Espetáculo da Terra usa e abusa de todas elas, inclusive a cor, elemento que dá ao filme um tom solar, compatível com a alegria circense. Crepúsculo dos Deuses, por sua vez, prefere o preto e branco, o jogo de luz e sombras que oprime suas personagens.

Não por acaso, Cecil B. DeMille aparecerá no filme de Wilder. É ele o diretor – o dono do espetáculo – que negará uma nova chance a Norma Desmond, acelerando a queda desta no abismo de morte e loucura de Crepúsculo dos Deuses.


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