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Pasolini


1. Pouco antes de morrer assassinado, no último fim de tarde de seu último dia, Pier Paolo Pasolini (Willem Dafoe) é entrevistado por Furio Colombo (Francesco Siciliano). Em suas falas, o cineasta italiano disserta sobre a miséria dos tempos atuais, sobre a proliferação da violência, e conclui com um alerta: “estamos todos em perigo”.

– Pasolini – diz então Furio Colombo, – se essa é sua visão de mundo, não sei se aceitará minha pergunta, mas como evitar que o pior aconteça?

– Está tarde – responde “Pierpa” –, é melhor pararmos. Talvez você possa me deixar as perguntas. Existem alguns pontos muito absolutos. Me dê um tempo para pensar.

O cineasta se levanta e se despede do jornalista. Assim que se vê sozinho, desaba exausto sobre o sofá.

2. Basta uma rápida busca na internet para encontrar um Pasolini atolado em adjetivos – “genial”, “transgressor”, “visionário”, “maldito”. Provas de que, em pleno século XXI, a imagem do artista romântico continua viva.

Mas Abel Ferrara, sem abrir mão da admiração e do fascínio naturalmente provocados pela figura de “Pierpa”, prefere evitar o tom laudatório, evitar, na medida do possível, o cinema-hagiografia. O próprio título do filme parece indicar certa contenção: Pasolini – sem prenomes, sem subtítulo.

A fim de alcançar seus objetivos, o diretor americano vê-se obrigado a estabelecer certa distância em relação a seu objeto. Não se trata, porém, de cinismo ou frieza. No mundo de Pasolini, não há motivos para que a cena de um assassinato apresente uma carga dramática maior que a cena de uma pelada de rua ou de um almoço em família.

“Para Ferrara”, lê-se em um comentário na internet, “parece mais importante contar o que comeu o cineasta em seus últimos dias de vida do que o significado de sua figura”. A afirmação, à primeira vista banal, talvez não esteja de todo incorreta.

3. Haveria algum equívoco em afirmar que Abel Ferrara transmite a paixão que sente por Pasolini a todas aquelas coisas e pessoas que conformaram o mundo do cineasta italiano? Porque a câmera detém-se tanto na mãe (Adriana Asti), na secretária (Giada Colagrande) e nos amigos de “Pierpa”? E as cenas de Porno-Teo-Kolossal – projeto em que trabalhava Pasolini quando morreu – não se afastam substancialmente do estilo “distante” do resto do filme?

4. Pensar Pasolini, de Abel Ferrara, em relação ao cinema de Pasolini, talvez seja inevitável.

Um bom ponto de partida, explicitamente indicado pelo intertexto entre trilhas: O evangelho segundo Mateus.


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