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Caique Zen

Encontros e Desencontros


Por muito tempo, filmes tiveram como clímax a famigerada cena do beijo. Com cenas mais quentes vetadas pelo puritanismo vigente, era no french kiss em que o erotismo chegava ao máximo dos limites permitidos. Assim, depois de passarem por uma série de provações, mocinha e galã finalmente juntavam seus lábios (suas línguas, melhor dizendo) e durante longos segundos protagonizavam uma cena que só poderia ocorrer no cinema, arte da intimidade alardeada aos quatro ventos. A música, claro, contribuía para aumentar o pathos da cena.

Encontros e desencontros, de Sophia Coppola, parece brincar com nossas expectativas mais ingênuas. Como bons espectadores, alimentados desde cedo pelo modo de contar histórias hollywoodiano, esperamos que o mocinho beije a mocinha no final e, consequentemente, vivam felizes para sempre (ainda que mais tarde, já longe da sala escura, as imagens de um casamento infeliz, repleto de brigas homéricas e de filhos pentelhos nos venham à cabeça).

Irônico (mas sem soar escarninho), o filme de Sophia se desenrola em função do beijo. Scarlett Johansson e Bill Murray se amam. Juntos, se divertem, fazem bem um ao outro e experimentam um tipo de alegria desconhecida em seus casamentos. Tudo caminha em direção à troca de salivas que, por fim... não chega! Há um “selinho”, algumas palavras sussurradas ao ouvido, mas nada que faça lembrar os french kisses quase obscenos de um Hitchcock, por exemplo.

O amor da dupla de amigos não é predominantemente carnal. Embora a atração física não esteja de todo ausente, o afeto surge sobretudo de certa identificação: tanto Charlotte quanto Bob estão “perdidos na tradução”, sendo Tokio, cenário do filme, uma espécie de metáfora do terrível mundo pós-moderno. Nesta relação fraterna, não é eros quem comanda o jogo, mas filia, tipo de amor em que, segundos os gregos, o prazer surge da cumplicidade.

Comparado à efusão de abraços e beijos e vazios eu-te-amos das cenas entre Charlotte e seu marido John (Giovanni Ribisi), ou à hostilidade mútua entre Bob e sua esposa, este tipo de amor que prefere distanciar-se do outro para não distorcê-lo e não torná-lo mero objeto parece guardar uma notável sabedoria. Como diz a música de Bryan Ferry cantada por Bill Murray na cena antológica do videokê: “More than this – there is nothing”.


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