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Foto do escritorJúlia Lacerda

Okja


Não existe animal abatido para o consumo humano que não sofra. Basta o confinamento e o transporte em caixas apertadas para não termos dúvida de que bovinos, suínos e aves sofram bastante antes e, claro, durante o abate. Cada um de nós lida com isso a seu modo, uns protestam veementemente e se recusam a comer carne de qualquer tipo, e todos os derivados de procedência animal; outros, como eu, fazem vista grossa, procuram ignorar, mesmo tendo consciência da dor e do infortúnio dos bichos.

Para os primeiros, filmes como “Okja”, do sul coreano Bong Joon-ho, corroboram seus pontos de vista a respeito do mundo no que diz respeito sobretudo à alimentação humana, dão a eles a segurança de que estão certos, de que estão com a razão. Para os segundos, falo por mim, o filme, como num farol de trânsito, muda do verde para o amarelo. Parece pouco, uma bobagem, mas não é.

Há algo de infantojuvenil no roteiro de “Okja” sem, entretanto, prejuízo para o filme. Uma empresa malvada, presidida por uma mulher sem escrúpulos, Lucy Miranda, cria um animal enorme e desajeitado, uma mistura de porco com hipopótamo e cachorro. Muito grande, fofo e gentil. Dez desses bichos são enviados para diversos fazendeiros em diferentes partes do mundo para que sejam criados de acordo com suas respectivas culturas locais. Uma delas, Okja, cresce na Coreia do Sul, no alto de uma montanha idílica, com sua fiel amiga, quase irmã, Mija.

Dez anos depois da data de envio, os animais são devolvidos à empresa para participarem de um concurso que premiará o mais saudável deles. Uma espécie de golpe publicitário. Pura enganação. Depois disso, o abate. Simples assim.

Mija, sem ter sido informada desse acordo entre a empresa e seu pragmático avô, fará de tudo para resgatar Okja. E ela contará com a ajuda da ALF (Animal Liberation Front), um grupo de jovens ativistas que prefere ter os animais como amigos ao invés de tê-los em suas panelas.

O que é mais surpreendente no filme — para além de toda discussão a respeito dos direitos dos animais que ele possa suscitar — é o modo como Bong Joon-ho filma a integração harmoniosa entre Okja, a menina e a natureza que as envolve, o lugar de origem no qual cresceram: a floresta exuberante, seu silêncio, seus rios límpidos e também seus perigos.

A sugestão de um princípio de comunicação oral entre a menina e a criatura é o ápice dessa integração. Mija sopra palavras no ouvido de Okja, e essa fará o mesmo à certa altura do filme.

"Okja" é uma fábula produzida pela Netflix. Não será vista nos cinemas. É provável que você, assim como eu, depois de assistir ao filme, fique um tempo sem aparecer numa churrascaria.


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